sábado, 9 de julho de 2011

DEAMBULÇÃO MELHORA OS RISCOS DE TROMBOEMBOLISMO VENOSO?

        Pacientes hospitalizados, acamados ou que sofreram intervenção cirurgica e que necessitam de tratamento de tromboprofilaxia, podem obeter benefícos com a deambulação, porém, somente o fato de começarem a caminhar não elimina o risco de trombose venosa.
         Esse é o resultado de trabalho publicado no JOURNAL OF THROMBOSIS AND HAEMOSTHASIS, de março de 2011, publicado no site Medical Service, com comentários do Dr. Anderson Ferreira Leite, Clínico Geral do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. 
Vide texto:


30-03-2011 - A deambulação modifica o risco de tromboembolismo venoso em pacientes agudamente enfermos?
Does ambulation modify venous thromboembolism risk in acutely ill medical patients? Amin AN, Girard F; Samama MM. Blood Coagulation, Fibrinolysis and Cellular Haemostasis, 2010.
Nos Estados Unidos, a deambulação é frequentemente utilizada como critério para a interrupção da profilaxia para tromboembolismo venoso (TEV). Em uma análise sobre profilaxia nos pacientes do estudo MEDENOX, a deambulação foi investigada como desfecho e os pacientes foram agrupados para posterior análise. Foram avaliadas as taxas de TEV e de sangramento. Usando um modelo de regressão logística multivariada, foram investigadas as relações entre tromboprofilaxia, risco de TEV e deambulação.
Foi possível obter dados sobre deambulação de 607/1.084 pacientes, em um tempo médio de 4,4 dias. A tromboprofilaxia foi fornecida durante 7,3 e 7,7 dias nos grupos com e sem deambulação. Embora as taxas de TEV tenham sido menores nos pacientes que deambulavam, o uso de enoxaparina 40mg/dia vs placebo reduziu significativamente o risco de TEV nos pacientes que deambulavam (3,3% vs 10,6%; risco relativo [RR] = 0,31; intervalo de confiança [IC] 95%, 0,13-0,78; p = 0,008) e nos pacientes que não deambulavam (9,0% vs 19,7%; RR = 0,46; IC 95%, 0,23-0,91; p = 0,02). A taxa de sangramento maior não foi significativamente diferente entre enoxaparina e placebo em nenhum dos grupos. Por meio de análises de regressão, o risco de TEV nos pacientes que deambulavam foi menor com enoxaparina vs placebo (razão de chances [RC] = 0,28; IC 95%, 0,11−0,74; p = 0,01), mas maior nos pacientes com história de TEV (RC = 3,74; IC 95%, 1,59−8,84; p = 0,003) ou câncer (RC = 2,12; IC 95%, 1,00−4,48; p = 0,049).
Apesar da mobilização precoce, os pacientes que deambulam estão sob risco de TEV e experimentam uma redução significativa no risco com enoxaparina 40mg. Assim, é essencial que os pacientes que deambulam recebam a tromboprofilaxia recomendada.
Comentários
Anderson Ferreira Leite
Clínico Geral do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Os benefícios da profilaxia de tromboembolismo venoso (TEV), incluindo trombose venosa profunda (TVP) e embolia pulmonar, são nítidos para pacientes hospitalizados, sendo recomendados pelos guidelines atuais1. A despeito dessa evidência, a tromboprofilaxia é pouco prescrita e o TEV tem-se tornado a principal causa de morte inesperada em pacientes agudamente enfermos2. Alguns estudos mostram que menos de 40% dos pacientes hospitalizados sob risco recebem a profilaxia recomendada pelo ACCP (American College of Chest Physicians)3.

No momento em que o paciente começa a deambular, em geral a profilaxia para TEV é empiricamente suspensa considerando-se que a deambulação estimula o retorno venoso e reduz o risco de TEV, conclusão não baseada em evidência de estudos randomizados4,5. Esta prática foi questionada na publicação realizada por Amin et al, que consistiu uma análise post-hoc do estudo MEDENOX (MEDical patients with ENOXaparin), avaliando risco de TEV entre pacientes hospitalizados, recebendo profilaxia com enoxaparina 40 mg/dia ou placebo, que deambulavam ou ainda estavam restritos ao leito.
O estudo prospectivo, randomizado, duplo-cego e placebo-controlado MEDENOX envolveu 1.102 pacientes e demonstrou redução de 63% na incidência de TEV entre pacientes hospitalizados que receberam enoxaparina 40 mg/dia (incidência de 5,5%) vs placebo (incidência de 14,9%), numa média de 7,6 dias. Não houve diferença na taxa de sangramento maior entre os grupos estudados 6.
TEV foi definido como TVP ou embolia pulmonar objetivamente confirmadas ou TVP assintomática avaliada por venografia com contraste dos membros inferiores. Os pacientes eram incluídos no grupo que deambulavam caso percorressem uma distância > 10 metros no 10º + 4 dias de internação. Na atual publicação, 607 pacientes (56%) deambulavam no período analisado e 477 (44%) não deambulavam. O tempo médio para iniciar a deambulação foi de 4,4 dias. A duração média de tromboprofilaxia foi de 7,3 dias no grupo deambulação e 7,7 dias no grupo restrito ao leito.
Os resultados mostraram que, embora as taxas de TEV tenham sido menores nos pacientes que deambulavam, o uso de enoxaparina 40mg/dia vs placebo diminuiu significativamente o risco de TEV nos deambuladores (3,3% vs 10,6%; p = 0,008) e nos pacientes que não deambulavam (9,0% vs 19,7%; p = 0,02).
A taxa de sangramento maior não diferiu significativamente com uso enoxaparina ou placebo em nenhum dos grupos. Após análises multivariadas, a taxa de TEV nos pacientes que deambulavam foi menor com uso de enoxaparina vs placebo (razão de chances [RC] = 0,28; p = 0,01), todavia maior nos pacientes com história de TEV (RC = 3,74; p = 0,003) ou câncer (RC = 2,12; p = 0,049).
Devemos ressaltar, contudo, que a publicação de Amin et al apresenta uma importante limitação por se tratar de uma análise post-hoc, não definida no protocolo do estudo MEDENOX. Desse modo, os resultados não são confirmatórios, apesar de servirem de racional para um grande estudo sobre o assunto. Além disso, apesar dos achados parecerem animadores, com um NNT (número necessário para tratar) de 13,7 para prevenção de TVE com uso de enoxaparina para deambuladores, os desfechos consistiram essencialmente de TVP assintomática, com somente um caso de TVP sintomática e um caso de embolia pulmonar em cada braço de deambuladores em uso de enoxaparina ou placebo.
Portanto, o atual estudo levanta a hipótese de que a deambulação não protege pacientes agudamente enfermos com eficácia contra TEV, podendo ser necessário tromboprofilaxia com enoxaparina 40mg. Estudos maiores sobre o tema permitirão conclusões definitivas para que tal conduta possa ser incluída em guidelines.
Referência
1. Kanaan AO, Silva MA, Donovan JL, Roy T, Al-Homsi AS. Meta-analysis of venous thromboembolism prophylaxis in medically Ill patients. Clin Ther. 2007 Nov;29(11):2395-405.
2. Stashenko GJ, Tapson VF. Prevention of venous thromboembolism in medical patients and outpatients. Nat Rev Cardiol. 2009 May;6(5):356-63.
3. Bergmann JF, Cohen AT, Tapson VF, Goldhaber SZ, Kakkar AK, Deslandes B, Huang B, Anderson FA Jr; ENDORSE Investigators. Venous thromboembolism risk and prophylaxis in hospitalised medically ill patients. The ENDORSE Global Survey. Thromb Haemost. 2010 Apr;103(4):736-48. Epub 2010 Feb 2.
4. Kaboli PJ, Brenner A, Dunn AS. Prevention of venous thromboembolism in medical and surgical patients. Cleve Clin J Med. 2005 Apr;72 Suppl 1:S7-13.
5. Labarere J, Bosson JL, Sevestre MA, Sellier E, Richaud C, Legagneux A. Intervention targeted at nurses to improve venous thromboprophylaxis. Int J Qual Health Care. 2007 Oct;19(5):301-8. Epub 2007 Aug 27.
6. Samama MM, Cohen AT, Darmon JY, Desjardins L, Eldor A, Janbon C, Leizorovicz A, Nguyen H, Olsson CG, Turpie AG, Weisslinger N. A comparison of enoxaparin with placebo for the prevention of venous thromboembolism in acutely ill medical patients. Prophylaxis in Medical Patients with Enoxaparin Study Group. N Engl J Med. 1999 Sep 9;341(11):793-800.


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