Essa matéria publicada no
blog do jornalista Rafael Garcia, da Folha de São Paulo, envolvendo uma crítica
do Conselho Federal de Psicologia, sobre a excessiva utilização de
medicação no tratamento do TDA,
reacende uma antiga discussão sobre o problema.
8/07/12 - 13:46 - POR Rafael Garcia
A grande discussão reside em saber
se todos os casos diagnosticados como TDA, foram adequadamente bem feitos, e
em se confirmando, seja estritamente necessária a utilização de medicação.
A grande discussão a partir do
aprimoramento dos sinais para diagnóstico firmados pelo DSM-IV, é se o TDAH é
uma síndrome baseada exclusivamente na alteração da bioquímica cerebral, dela
resultando as alterações comportamentais, ou se por outro lado, ela pode ser
controlada pela abordagem psicológica comportamental, dispensando o uso de
medicação.
Uma das alegações é que o
diagnóstico firmado na base da psiquiatria, vem preconizando a utilização de
medicamentos no controle das alterações da bioquímica cerebral, deixando-se de
lado abordagens de cunhos psicológico-emocional.
O que parece importante na verdade é
a abertura do debate sobre os protocolos definidos para o diagnóstico,
considerando-se sempre a interdisciplinaridade na abordagem terapêutica.
Evidentemente não deve haver uma banalização na prescrição de medicamentos como
uma panacéia, o que seria mais uma irresponsabilidade que uma adequada conduta
profissional.
Não há, entretanto, como negar que
na maioria dos casos bem diagnosticados a intervenção medicamentosa não só
faz-se necessária, como melhora a qualidade de vida do paciente.
Vale lembrar, que o TODA é um
transtorno complexo que envolve dificuldade em sustentar o foco, em
organização, motivação, modulação emocional, memória e outras funções do
sistema de gerenciamento do cérebro.
SLRM
Confira a matéria transcrita abaixo:
PSICÓLOGOS, PSIQUIATRAS E O DÉFICT DE ATENÇÃO
8/07/12 - 13:46 - POR Rafael Garcia
JÁ ERA PREVISÍVEL que chegaria com
mais força ao Brasil, cedo ou tarde, a controvérsia sobre o Transtorno do
Déficit de Atenção por Hiperatividade, o TDAH. Nos EUA e na Europa, há
evidências de que esse problema psiquiátrico vem sendo diagnosticado em um
número excessivo de estudantes (9%), e existe uma preocupação com as
consequências da prescrição do metilfenidato (a ritalina) para tratar o
transtorno em crianças que na verdade são saudáveis.
No Brasil, agora, um manifesto
encabeçado pelo CFP (Conselho Federal de Psicologia) também questiona a
existência de uma epidemia de TDAH (8,6% de prevalência) no país. A campanha —assunto de reportagem
recente de Mariana Versolato— desencadeou uma reação por parte da ABP
(Associação Brasileira de Psiquiatria), que reuniu outras entidades médicas
para elaborar uma carta-resposta rejeitando todas as críticas.
Não é a primeira vez que
psiquiatras e psicólogos entram em conflito no país, e muito disso tem origem
nos interesses de classe dessas duas categorias. No Brasil, porém, o movimento
dos psicólogos parece ir passo além daquilo que se vê aqui nos EUA. Muitos
psicólogos brasileiros defendem que o TDAH não só é uma falsa epidemia, mas
também que a neurociência não é capaz de explicar o transtorno. O transtorno
afetando crianças inquietas que não conseguem se concentrar e adquirem
problemas cognitivos como consequência não passaria de uma doença inventada.
Do outro lado, o grupo liderado
pela ABP argumenta que a prevalência de déficit de atenção no país é legítima,
baseada em critérios bem definidos, e que testes clínicos mostram a eficácia e
a segurança da ritalina no tratamento.
No meio da discussão, sobram
acusações dos psicólogos contra o DSM, o manual de estatísticas e diagnósticos
da psiquiatria (sobre o qual falei aqui).
São o DSM e a CID (Classificação Internacional de Doenças, da OMS) que
padronizam o diagnóstico de TDAH aplicado em todo o mundo, por isso a culpa
acabou recaindo sobre os dois (neste caso, um é bastante similar ao outro).
Os psicólogos parecem ter uma
parcela de razão em sua crítica de que os mecanismos biológicos por trás do
transtorno ainda são em grande parte um mistério. O próprio DSM não arrisca
dizer muito sobre a patogênese do TDAH. Mas as dúvidas sobre a neurobiologia do
problema não implicam que o transtorno seja uma doença necessariamente
“inventada”.
Essa linha de crítica, se for
aceita, invalidaria quase todos os outros problemas listados pelo DSM,
incluindo a depressão, a esquizofrenia o autismo e outros. Em nenhum deles, o
conhecimento de neurobiologia evoluiu ao ponto de validar um diagnóstico. O
diagnóstico é feito com base nos sintomas, apenas, diferentemente de doenças do
rim, fígado ou coração. Seja ou não qualificado como doença, porém, pouca gente
duvida que crianças com sintomas de TDAH possam estar sofrendo e precisam
de alguma ajuda.
O difícil, claro, é delimitar uma
fronteira entre o que é um transtorno médico e aquilo que são sintomas triviais
de agitação e desatenção. Nem toda criança encapetada é portadora de TDAH. E é
inevitável que haja uma certa arbitrariedade em se riscar uma fronteita. Mesmo
com todas as suas imperfeições, porém, ao fazer isso o DSM se tornou uma
ferramenta útil para orientar ações de tratamento. Sem adotar uma padronização
como a do manual, aliás, seria quase impossível fazer pesquisa.
Na definição dos critérios,
existe uma preocupação em se manter essa atividade isolada da influência da
indústria farmacêutica, que poderia se beneficiar de uma epidemia de TDAH
inflacionada. A atual proposta de revisão do DSM, da quarta para a quinta
edição, porém, propõe um relaxamento dos requisitos para emitir diagnósticos do
transtorno, e há evidência
sugerindo que o lobby dos grandes laboratórios teve um papel aí.
Dito isso tudo, é preciso
reconhecer que o TDAH não é um conceito vazio. Uma evidência disso é justamente
que a ritalina costuma ajudar a controlar os sintomas, mesmo sendo uma droga
com alguns problemas. O metilfenidato é um psicotrópico com efeitos colaterais
como insônia, perda de apetite e irritabilidade. É um estimulante com algum
potencial para dependência e causa um certo aumento de pressão arterial e
batimento cardíaco. Há motivos suficientes para não se ingerir uma droga como
essa à toa, mas isso não quer dizer que a ritalina seja ineficaz contra os
problemas que ela busca atacar. A administração de qualquer medicamento precisa
levar em conta o peso dos benefícios contra o dos riscos.
Uma das revisões independentes mais recentes sobre testes da
ritalina —publicada em uma revista de psicologia clínica— reconhece que a droga
é eficaz, mas ressalta também a importância da psicoterapia. Alguns estudos novos
mostram evidências favoráveis do funcionamento também em adultos com TDAH,
apesar de ainda haver uma dúvida legítima sobre a capacidade da ritalina de
funcionar a longo prazo (um ano ou mais).
Testes clínicos, contudo, nem
sempre conseguem reproduzir com exatidão as condições que as pessoas enfrentam
na vida real. E uma dessas variáveis fora de controle, no caso do déficit de
atenção, são os diagnósticos ruins. A alta variabilidade de incidência do TDAH
ao redor do mundo parece ser um reflexo disso, e a tendência a se diagnosticar
muito mais meninos do que meninas, também.
Antes que os psicólogos comecem a
defender que todos os exemplares do DSM sejam queimados na fogueira, porém,
cabe lembrar aqui que esse problema surge justamente do desrespeito às regras
do manual, e não daquilo que está escrito nele. Um novo estudo realizado na Alemanha mostrou que psiquiatras adoram
fazer diagnósticos baseados em estereótipos, em vez de seguirem objetivamente o
que o DSM e a CID recomendam.
Os alemães já sabem disso porque
se deram o benefício da dúvida e fizeram uma pesquisa. Não é válido questionar
se o mesmo problema existe no Brasil? Nos EUA, a pessoa que está liderando o
movimento contra o relaxamento dos critérios de diagnóstico é Allen Frances, o
psiquiatra que coordenou a atual edição do DSM. Em um artigo de opinião recente, ele conta como a indústria
farmacêutica atuou para “turbinar” a epidemia de TDAH nos EUA. Será que o
Brasil está imune a essa influência?
Tentando observar essa briga do
lado de fora, me parece estranho que as entidades de classe estejam
sequestrando essa discussão das universidades no Brasil. O CFP e a ABP estão
fazendo o papel delas, defendendo os interesses dos profissionais que elas
representam, mas cartas e manifestos não substituem os dados das pesquisas. Por
algum motivo, opiniões acadêmicas mais equilibradas e independentes não estão
se disseminando.
A imprensa talvez tenha uma
parcela de culpa aí, mas não toda, já que ainda há muitas perguntas sem
respostas sobre o TDAH, e muitas respostas não são consensuais. Se psicólogos e
psiquiatras conseguissem se relacionar institucionalmente, porém, talvez a
interdisciplinaridade necessária para avançar no assunto possa ter algum
incentivo.