terça-feira, 31 de julho de 2012

PSICOLOGIA x PSIQUIATRIA : TDA-TDAH - QUAL A MELHOR ABORDAGEM TERAPÊUTICA

                Essa matéria publicada no blog do jornalista Rafael Garcia, da Folha de São Paulo, envolvendo uma crítica do Conselho Federal de Psicologia, sobre a excessiva utilização de medicação  no tratamento do TDA, reacende uma antiga discussão sobre o problema.

            A grande discussão reside em saber se todos os casos diagnosticados como TDA, foram adequadamente bem feitos, e em se confirmando, seja estritamente necessária a utilização de medicação.
            A grande discussão a partir do aprimoramento dos sinais para diagnóstico firmados pelo DSM-IV, é se o TDAH é uma síndrome baseada exclusivamente na alteração da bioquímica cerebral, dela resultando as alterações comportamentais, ou se por outro lado, ela pode ser controlada pela abordagem psicológica comportamental, dispensando o uso de medicação.

            Uma das alegações é que o diagnóstico firmado na base da psiquiatria, vem preconizando a utilização de medicamentos no controle das alterações da bioquímica cerebral, deixando-se de lado abordagens de cunhos psicológico-emocional.
            O que parece importante na verdade é a abertura do debate sobre os protocolos definidos para o diagnóstico, considerando-se sempre a interdisciplinaridade na abordagem terapêutica. Evidentemente não deve haver uma banalização na prescrição de medicamentos como uma panacéia, o que seria mais uma irresponsabilidade que uma adequada conduta profissional.

            Não há, entretanto, como negar que na maioria dos casos bem diagnosticados a intervenção medicamentosa não só faz-se necessária, como melhora a qualidade de vida do paciente.
            Vale lembrar, que o TODA é um transtorno complexo que envolve dificuldade em sustentar o foco, em organização, motivação, modulação emocional, memória e outras funções do sistema de gerenciamento do cérebro.

SLRM

            Confira a matéria transcrita abaixo:

PSICÓLOGOS, PSIQUIATRAS E O DÉFICT DE ATENÇÃO

8/07/12 - 13:46 - POR Rafael Garcia

JÁ ERA PREVISÍVEL que chegaria com mais força ao Brasil, cedo ou tarde, a controvérsia sobre o Transtorno do Déficit de Atenção por Hiperatividade, o TDAH. Nos EUA e na Europa, há evidências de que esse problema psiquiátrico vem sendo diagnosticado em um número excessivo de estudantes (9%), e existe uma preocupação com as consequências da prescrição do metilfenidato (a ritalina) para tratar o transtorno em crianças que na verdade são saudáveis.
No Brasil, agora, um manifesto encabeçado pelo CFP (Conselho Federal de Psicologia) também questiona a existência de uma epidemia de TDAH (8,6% de prevalência) no país. A campanha —assunto de reportagem recente de Mariana Versolato— desencadeou uma reação por parte da ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria), que reuniu outras entidades médicas para elaborar uma carta-resposta rejeitando todas as críticas.

Não é a primeira vez que psiquiatras e psicólogos entram em conflito no país, e muito disso tem origem nos interesses de classe dessas duas categorias. No Brasil, porém, o movimento dos psicólogos parece ir passo além daquilo que se vê aqui nos EUA. Muitos psicólogos brasileiros defendem que o TDAH não só é uma falsa epidemia, mas também que a neurociência não é capaz de explicar o transtorno. O transtorno afetando crianças inquietas que não conseguem se concentrar e adquirem problemas cognitivos como consequência não passaria de uma doença inventada.
Do outro lado, o grupo liderado pela ABP argumenta que a prevalência de déficit de atenção no país é legítima, baseada em critérios bem definidos, e que testes clínicos mostram a eficácia e a segurança da ritalina no tratamento.

No meio da discussão, sobram acusações dos psicólogos contra o DSM, o manual de estatísticas e diagnósticos da psiquiatria (sobre o qual falei aqui). São o DSM e a CID (Classificação Internacional de Doenças, da OMS) que padronizam o diagnóstico de TDAH aplicado em todo o mundo, por isso a culpa acabou recaindo sobre os dois (neste caso, um é bastante similar ao outro).
Os psicólogos parecem ter uma parcela de razão em sua crítica de que os mecanismos biológicos por trás do transtorno ainda são em grande parte um mistério. O próprio DSM não arrisca dizer muito sobre a patogênese do TDAH. Mas as dúvidas sobre a neurobiologia do problema não implicam que o transtorno seja uma doença necessariamente “inventada”.

Essa linha de crítica, se for aceita, invalidaria quase todos os outros problemas listados pelo DSM, incluindo a depressão, a esquizofrenia o autismo e outros. Em nenhum deles, o conhecimento de neurobiologia evoluiu ao ponto de validar um diagnóstico. O diagnóstico é feito com base nos sintomas, apenas, diferentemente de doenças do rim, fígado ou coração. Seja ou não qualificado como doença, porém, pouca gente duvida que crianças com  sintomas de TDAH possam estar sofrendo e precisam de alguma ajuda.
O difícil, claro, é delimitar uma fronteira entre o que é um transtorno médico e aquilo que são sintomas triviais de agitação e desatenção. Nem toda criança encapetada é portadora de TDAH. E é inevitável que haja uma certa arbitrariedade em se riscar uma fronteita. Mesmo com todas as suas imperfeições, porém, ao fazer isso o DSM se tornou uma ferramenta útil para orientar ações de tratamento. Sem adotar uma padronização como a do manual, aliás, seria quase impossível fazer pesquisa.

Na definição dos critérios, existe uma preocupação em se manter essa atividade isolada da influência da indústria farmacêutica, que poderia se beneficiar de uma epidemia de TDAH inflacionada. A atual proposta de revisão do DSM, da quarta para a quinta edição, porém, propõe um relaxamento dos requisitos para emitir diagnósticos do transtorno, e há evidência sugerindo que o lobby dos grandes laboratórios teve um papel aí.
Dito isso tudo, é preciso reconhecer que o TDAH não é um conceito vazio. Uma evidência disso é justamente que a ritalina costuma ajudar a controlar os sintomas, mesmo sendo uma droga com alguns problemas. O metilfenidato é um psicotrópico com efeitos colaterais como insônia, perda de apetite e irritabilidade. É um estimulante com algum potencial para dependência e causa um certo aumento de pressão arterial e batimento cardíaco. Há motivos suficientes para não se ingerir uma droga como essa à toa, mas isso não quer dizer que a ritalina seja ineficaz contra os problemas que ela busca atacar. A administração de qualquer medicamento precisa levar em conta o peso dos benefícios contra o dos riscos.

Uma das revisões independentes mais recentes sobre testes da ritalina —publicada em uma revista de psicologia clínica— reconhece que a droga é eficaz, mas ressalta também a importância da psicoterapia. Alguns estudos novos mostram evidências favoráveis do funcionamento também em adultos com TDAH, apesar de ainda haver uma dúvida legítima sobre a capacidade da ritalina de funcionar a longo prazo (um ano ou mais).
Testes clínicos, contudo, nem sempre conseguem reproduzir com exatidão as condições que as pessoas enfrentam na vida real. E uma dessas variáveis fora de controle, no caso do déficit de atenção, são os diagnósticos ruins. A alta variabilidade de incidência do TDAH ao redor do mundo parece ser um reflexo disso, e a tendência a se diagnosticar muito mais meninos do que meninas, também.

Antes que os psicólogos comecem a defender que todos os exemplares do DSM sejam queimados na fogueira, porém, cabe lembrar aqui que esse problema surge justamente do desrespeito às regras do manual, e não daquilo que está escrito nele. Um novo estudo realizado na Alemanha mostrou que psiquiatras adoram fazer diagnósticos baseados em estereótipos, em vez de seguirem objetivamente o que o DSM e a CID recomendam.
Os alemães já sabem disso porque se deram o benefício da dúvida e fizeram uma pesquisa. Não é válido questionar se o mesmo problema existe no Brasil? Nos EUA, a pessoa que está liderando o movimento contra o relaxamento dos critérios de diagnóstico é Allen Frances, o psiquiatra que coordenou a atual edição do DSM. Em um artigo de opinião recente, ele conta como a indústria farmacêutica atuou para “turbinar” a epidemia de TDAH nos EUA. Será que o Brasil está imune a essa influência?

Tentando observar essa briga do lado de fora, me parece estranho que as entidades de classe estejam sequestrando essa discussão das universidades no Brasil. O CFP e a ABP estão fazendo o papel delas, defendendo os interesses dos profissionais que elas representam, mas cartas e manifestos não substituem os dados das pesquisas. Por algum motivo, opiniões acadêmicas mais equilibradas e independentes não estão se disseminando.
A imprensa talvez tenha uma parcela de culpa aí, mas não toda, já que ainda há muitas perguntas sem respostas sobre o TDAH, e muitas respostas não são consensuais. Se psicólogos e psiquiatras conseguissem se relacionar institucionalmente, porém, talvez a interdisciplinaridade necessária para avançar no assunto possa ter algum incentivo.

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