Trabalho recente
publicado no site Medical Services, relata pesquisa feita junto aos alunos dos
últimos anos do curso de medicina da Universidade Federal de Sergipe – UFS, onde foram constatados índices preocupantes de
sintomas depressivos de intensidade baixa a moderada.
O estudo abordou 117
estudantes do internato de medicina da Universidade Federal de Sergipe, após
cálculo para amostra finita com uma margem de erro de 5%, chegamos ao tamanho
amostral de 87 alunos, que foram selecionados através de sorteio simples.
Foram
utilizados como mecanismos de avaliação o Inventário de Depressão BECK – IDB
que é um questionário autoaplicável
padronizado, descrito por pesqui¬sadores do Center for Cognitive Therapy (CCT)
como medida de autoavaliação de depressão amplamente uti¬lizada, tanto em
pesquisa como na área clínica.
Ao IDB foi associado um outro questionário
desenvolvido pelos pesquisadores, contendo 54 questões fechadas,
pré-codificadas, abordando as características sociodemográficas, o processo
ensino-aprendizagem e aspectos pessoais.
Os sintomas
depressivos foram classificados quanto à sua intensidade demarcada no
questionário Beck em grupos a saber: sintomas depressivos mínimos ou ausentes
(grupo I) e sintomas leves a moderados (grupo II), sintomas depressivos
moderados a graves (grupo III) e sintomas depressivos graves (grupo IV). Para
a avaliação foram utilizados apenas os resultados dos grupos I e II já que os
valores dos grupos III e IV não foram suficientes significativamente para a
pesquisa.
A prevalência
de sintomas depressivos na amostra estudada (n = 84) foi de 40,5%.
Apresentaram sintomas depressivos leves a moderados 34,5% (IC 95% 24,5-45,7);
sintomas depressivos moderados a graves, 4,8% (IC 95% 1,3-11,7); e sintomas
depressivos graves, 1,2% (IC 95% 0,0-6,5%). Não apresentaram sintomas
depressivos 59,5% dos estudantes (IC 95% 48,3-70,1).
No presente
estudo, a prevalência encontrada de sintomas depressivos entre estudantes de
medicina da UFS foi elevada, embora discretamente menor que a encontrada na
Universidade da Região de Joinville (Univille - SC), utilizando os mesmos
pontos de corte. Ela foi superior à encontrada na Universidade Federal de
Goiás e à encontrada por alguns pesquisadores na população geral, entre 3% a
11%7,11,12.
Em um estudo
realizado na China, o pesquisador, ao utilizar o IDB em estudantes de medicina
de Hong Kong, com os pontos de corte 9/10 e 29/30, encontrou 50% destes alunos
com depressão (IDB > 10) e 2% deles severamente deprimidos (IDB > 30)13.
Em nosso estudo, utilizando os mesmos pontos de corte, encontramos resultados
semelhantes, embora com prevalência menor, demonstrando que o problema é
relevante.
Vários
estudos apontam para uma maior prevalência de sintomas depressivos nos
estudantes de medicina em relação à população geral, o que também foi
verificado com os resultados do presente estudo, concordando com outros
nacionais e internacionais anteriormente citados.
Não foi
encontrada diferença significante entre os sexos associada aos sintomas
depressivos, como também foi demonstrado num estudo longitudinal finlandês,
envolvendo estudantes de medicina acompanhados durante os seis anos de curso15.
No entanto, outras pesquisas apontam uma maior prevalência de sintomas
depressivos entre estudantes de medicina do sexo feminino.
Tais achados
sugerem que, além das dificuldades referentes ao curso de medicina, aquelas
decorrentes de características individuais podem propiciar o aparecimento dos
sintomas depressivos.
Pesquisadores
relatam que o período de maior sofrimento psíquico vivenciado pelos estudantes
corresponde àquele em que entram em contato com pacientes gravemente enfermos.
Na nossa realidade, este corresponde ao período do internato, etapa final do
treinamento médico da graduação, no qual o contato é estrito e exaustivamente
intensificado. Momento em que os estudantes se deparam com a incapacidade de
dominar o conhecimento médico como outrora o faziam nos ensinos médio e fundamental,
além de constatarem que as notas, muitas vezes, não traduzem aquisição real de
conhecimentos, sentindo-se frustrados.
A respeito do
progressivo comprometimento da saúde mental dos estudantes de medicina ao longo
do curso, alguns pesquisadores mostraram que os iniciantes apresentavam
prevalência de sintomatologia depressiva e de ansiedade semelhante à da
população geral. Porém, à medida que iam progredindo no curso, aumentavam as
queixas relacionadas ao mesmo e, por conseguinte, a prevalência de transtornos
mentais comuns (depressivos, ansiosos e somatoformes), com incremento
consistente dos relatos de estresse e sofrimento psíquico.
Um estudo com
toda população de estudantes de medicina da mesma instituição agora pesquisada
revelou prevalência de 42,5% de transtornos mentais comuns (TMC). Após o
ajuste do modelo final da regressão logística, ficou evidenciado que os
principais fatores associados estavam relacionados ao processo
ensino-aprendizagem e aos aspectos pessoais, os quais também foram implicados
neste presente estudo.
O sofrimento
emocional do estudante de medicina não se limita apenas a ele próprio, mas tem
impacto emocional sobre sua relação com os pacientes. Vários estudos
demonstram a influência negativa do sofrimento emocional sobre a empatia do
estudante de medicina com os pacientes. Um estudo transversal multicêntrico nos
Estados Unidos, envolvendo 1.098 estudantes de várias faculdades de medicina,
mostrou a relação negativa e positiva, respectivamente, entre sofrimento
emocional e bem-estar com a empatia do estudante de medicina e seus pacientes.
Os autores ao
final do estudo concluem:
A alta prevalência de sintomas depressivos
entre os estudantes do internato de medicina da UFS, associada a fatores
referentes ao processo ensino-aprendizagem e a aspectos pessoais, aponta para
a necessidade de mudanças na formação médica, incluindo a implementação de
medidas preventivas para o futuro médico.
Assim,
acreditamos que a reflexão profunda sobre o modelo de ensino médico adotado e a
criação de um serviço de apoio psicopedagógico ao estudante de medicina, a
exemplo dos existentes em centros de referência em educação médica do Brasil e
de outros países, contribuirá para minorar o sofrimento psíquico dos
estudantes, bem como reforçar suas estratégias defensivas adequadas ao
enfrentamento dos problemas inerentes à profissão que escolheram.
A matéria
merece nossa observação pela sua importância e relevância, especialmente ao
levarmos em conta que esses futuros profissionais ao se inserirem no sistema de
saúde, principalmente os que vierem a atuar em hospitais de grande porte ou
públicos, sofrerão uma enorme carga emocional decorrentes das circunstâncias de
trabalho. Não é incomum o esgotamento físico e emocional de médicos,
enfermeiros e outros profissionais envolvidos nos atendimentos em grandes
centros e necessário se faz um política de acompanhamento e auxílio a esses
profissionais, tanto na formação quanto na vida prática.
Slrm
Fonte:
Keywords:
Depressão; transtornos mentais; estudantes de
medicina; saúde mental; educação médica.
Sintomas depressivos entre internos de medicina em uma universidade pública brasileira - Revista da Associação Médica Brasileira; [online]. 2012, vol.58, n.1, pp. 53-59.
Sintomas depressivos entre internos de medicina em uma universidade pública brasileira - Revista da Associação Médica Brasileira; [online]. 2012, vol.58, n.1, pp. 53-59.
Autores:
Edméa Fontes deOliva Costa1, Ygo Santos
Santana2, Ana Teresa Rodrigues deAbreu Santos3, Luiz Antonio Nogueira Martins4,
Enaldo Vieira deMelo5, Tarcísio Matos deAndrade6
1
Aluna do Curso de Doutorado, Programa de Pós-graduação em Medicina e Saúde,
Universidade Federal da Bahia (UFBA); Professora Adjunta de Psiquiatria,
Universidade Federal de Sergipe (UFS), Aracaju, SE, Brasil
2
Graduado em Medicina, UFS, Aracaju, SE, Brasil
3
Aluna do Curso de Mestrado, Programa de Pós-graduação em Medicina e Saúde,
UFBA; Médica Preceptora do Internato de Pediatria, UFBA, Salvador, BA, Brasil
4
Doutor; Professor Associado, Departamento de Psiquiatria e de Psicologia
Médica, Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP); Consultor da Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
5
Mestre em Medicina; Professor-assistente, Departamento de Medicina, UFS,
Aracaju, SE, Brasil
6
Doutor em Medicina e Saúde; Professor Associado, Faculdade de Medicina, UFBA;
Professor de Psicologia Médica, Programa de Pós-graduação em Medicina e Saúde,
UFBA, Salvador, BA, Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário