Matéria importante sobre narcisismo e
suas consequências na contemporaneidade, publicada no site psicologado, que
vale uma leitura atenta pelo significado marcante quando se torna um
transtorno.
A matéria aborda importantes aspectos e
as diferentes formas de apresentação do transtorno, bem como sua abordagem
clinica, mostrando com muita clareza como se apresenta cada vez mais forte em
nossa atualidade.
Confiram:
Narcisismo na Contemporaneidade:
Caracterização e Desafios da Prática Clínica
Dra. Vanessa
Silva Cardoso, Dra. Maria Helena Cruz Moraes, Juline Aldane Da Silveira - Fevereiro/2019
O presente artigo visa
contemplar as noções sobre o narcisismo para além da ideia
corriqueira, buscando a compreensão no âmbito da Psicologia Clínica, sobretudo, sob o olhar
psicanalítico. Discorre-se sobre as características das pessoas que apresentam
este tipo de personalidade, o narcisismo como etapa evolutiva, quando passa a
se constituir em um quadro psicopatológico e a prática clínica ilustrada com
vinhetas clínicas.
Palavras-chave: Narcisismo, Psicologia Clínica, Psicanálise,
Contemporaneidade.
O termo Narcisismo remete ao
mito de Narciso, que se apaixonou pela própria imagem. A pessoa com
características narcisistas é percebida como um suposto adorador de si mesmo,
apresentando elevada autoestima e idealização de si mesmo (Roudinesco, 1999 e
Figueredo, 2003).
Porém, os narcisistas, conforme
Lasch (1987) se caracterizam pela superficialidade emocional, medo da
intimidade, hipocondria, pseudo autopercepção, promiscuidade sexual, horror à
velhice e à morte. Além disso, para o mesmo autor são descrentes quanto à
possibilidade de transformar o futuro, desprezam o passado e vivem para o
momento, perdendo o sentido da continuidade histórica.
O que inspira a preocupação constante com a própria pessoa é a ausência de um
estável amor interior por si mesmo, obrigando-a a usar os outros para
confirmá-lo. Assim preocupações como, “devo ser importante”, apontam que algo
está errado com o seu amor por si mesmo, vive dominado pela ansiedade, pela
dependência, pela necessidade de aprovação pelo outro. Diante das inevitáveis
frustrações que essa dinâmica lhe custa, não tem sido raro deparar-se com
pessoas com tais características dentro de uma prática clínica em que pode ser
encontrado por meio de queixas como: exigência com o corpo e a estética, vazio
interior e depressão.
Assim, concorda-se com o
pensamento de Zimerman (1999) em que afirma que as pessoas que sofrem de vazios,
tem uma ausência de reconhecimento de suas emoções, em realidade, elas estão cheias de
buracos negros, resultantes de uma rígida carapaça, uma “concha autística”, que
se forma contra a ameaça de um sofrimento provindo de frustrações impostas pela
realidade exterior.
Discorrer sobre o narcisismo é,
sem dúvida alguma, um grande desafio por ser um dos temas mais relevantes
dentro da psicopatologia atual. O conceito de
narcisismo passou por uma evolução de diferentes enfoques dentro da teoria
psicanalítica e contou com a contribuição de diversos autores.
De maneira geral, quando se faz
menção ao narcisismo, logo se vem à mente um espectro de significados, mas
destacam-se palavras ligadas à perfeição, vaidade, autossuficiência,
superioridade, egoísmo entre outros. Tal a importância do conceito que,
conforme apontado por Zimerman (1999) e Figueiredo (2003), apreende-se que
tanto o narcisismo quanto o investimento objetal mostram-se fundamentais para a
formação do sujeito, uma vez que são os investimentos narcísicos, oriundos dos
cuidados maternos, que confirmarão ou não à criança o seu lugar como objeto de
amor, estando, portanto, na base do que conhecemos por autoestima.
Faz-se necessário, esclarecer
que existe uma diferenciação entre a etapa evolutiva normal vivida por todo ser
humano, que conferem ao homem características sadias, que estão relacionadas
com a formação da autoestima, de um quadro de narcisismo patológico ou
transtorno narcisista, que confere acarreta ao indivíduo uma carga de
sofrimento emocional. Para Macckinon, Michels e Buckley (2008) o narcisismo
organiza a personalidade desde o saudável até o patológico, sendo que sua face
saudável é fundamental para manter a convicção de que a pessoa é valiosa e que
aceita aplausos e recompensas por suas conquistas e realizações, ao mesmo tempo
em que compartilha e aceita o papel das outras pessoas neste sucesso.
Associado a isso, já quando há algum tipo de transtorno narcísico, corrobora-se
as ideias de Roudinesco (1999) na qual sugere que o sofrimento psíquico
manifesta-se sob a forma de depressão, em que se misturam a tristeza, a apatia,
a busca da identidade e o culto a si mesmo. A este respeito, concorda-se com
Berlinck (2008) em que se acredita que a depressão se tornou um fenômeno
frequente no mundo moderno a ponto de ser considerada como uma reação natural
deste tempo.
De acordo com os autores
Roudinesco (1999) e Wanderley (1999) as condições sociais predominantes da
atualidade tendem a desenvolver traços narcisistas, em vários graus, em todos.
Estas condições recursivamente moldaram as famílias, que por sua vez, são a
matriz de identidade do homem moldando, assim, uma sociedade narcisista,
depressiva, apática e vazia.
A este respeito, concorda-se
com Figueiredo (2003) quando este aponta para os fenômenos sociais e psíquicos
que se está experimentando no século XXI: “A
ameaça de destruição da humanidade cedeu lugar a uma cultura do individualismo
esquizóide, na qual, entre mortos e feridos, todos nos salvamos, cada um na sua
e nada entre nós” (p. 52-53). Com isso, evidencia-se o inegável sofrimento
subjacente destas pessoas que apresentam alta insatisfação, uma enorme inveja
do sucesso dos outros e um grande vazio interno.
Nesse sentido, Wanderley (1999)
assinala que o homem narcísico se diz tolerante, permissivo e liberado, mas em
contrapartida diante de tanta liberdade, na busca incessante do prazer,
sente-se vazio. Além disso, nesta perspectiva esse sujeito torna-se e
indiferente a tudo e a todos que não lhe dizem respeito diretamente.
Não obstante, suas ocasionais
ilusões de onipotência, o narcisista depende dos outros para validar sua
autoestima. Ele não consegue viver sem uma audiência que o admire, mesmo com
sua aparente liberdade dos laços familiares e dos constrangimentos. Essa
inclinação para o mundo externo não o impede de ficar só consigo mesmo ou até
mesmo de se exaltar em sua individualidade. Pelo contrário, ela contribui para
sua insegurança, que ele somente pode superar quando vê seu “eu grandioso”
refletido nas ações e nas atenções das outras pessoas, ou se ligar àqueles que
irradiam sua celebridade, poder e carisma. “Para o narcisista, o mundo é um
espelho, ao passo que o individualista áspero o via com o um deserto vazio, a
ser modelado segundo seus próprios desígnios” (Lasch 1983 p. 30 citado por
Wanderley 1999).
De fato, a lógica narcisista baseia-se na busca de um ideal. O uso do mecanismo
da idealização de si mesmo e do outro, justifica-se pela necessidade constante
da fuga da realidade interna, qual seja, a depressão. Para Mackinon et al
(2008), essa categoria psicopatológica surgiu com o esforço dos psicoterapeutas
em compreender esse grupo de pacientes considerados difíceis, uma vez que não
eram considerados psicóticos e nem enquadravam-se na perspectiva neurótica.
Estes pacientes são frequentemente vistos pelo mundo com uma alta capacidade
funcional e sem psicopatologia óbvia, já que suas questões, na maioria das
vezes, são internas e relacionadas com a forma de enxergarem a si mesmo e aos outros.
Além disso, não é possível
falar em narcisismo sem trazer para esta reflexão os conceitos de narcisismo
primário e secundário, propostos por Freud. Em “Sobre o narcisismo: uma
introdução” (1914), Freud concebeu a ideia de que o sujeito toma seu próprio
corpo como sendo ao mesmo tempo fonte e objeto da libido sexual. Assim, o
narcisismo primário é uma etapa evolutiva que ocorre após a etapa do
autoerotismo, e baseia-se no investimento que objetos externos fazem ao bebe,
porém ainda não há uma diferenciação entre eles.
De acordo com Mackinon et al
(2008) enquanto patologia narcisista existe um continuum desde
a forma branda até as mais graves. O paciente narcisista mais comprometido
apresenta uma oscilação entre dois estados do sentimento: grandiosidade e um
senso de insignificância. Destaca-se a grande contradição nestes pacientes se
por um lado precisam do outro como fonte de gratificação e admiração
constantes, por outro lado, evitam qualquer intimidade e interesse na relação.
A este respeito, recorre-se ao
conceito de posição narcisista, proposto por Zimerman (1999) que auxilia na
compreensão da construção de uma configuração narcisista que cada sujeito
vivencia, e que depois toma seus contornos e singularidades próprias, de acordo
com a constituição do sujeito e da interação deste com o ambiente. Esta
posição narcisista pela qual todos passam, refere-se ao momento do desenvolvimento
no qual ainda não se estabeleceu a diferenciação entre o eu e o outro.
De acordo com Zimerman (1999),
a posição narcisista, é um estado necessário do desenvolvimento psíquico,
formado por diversos fatores psíquicos (tais como defesas, angustias entre
outros), vivenciada logo no início da vida, que terá repercussões na construção
da sua personalidade até a vida adulta. Esta posição e marcada por uma total
indiferenciação do bebê em relação a mãe. Todo bebê passa por uma fase de
simbiose com a mãe em que ele “imagina” que a sua genitora é uma extensão dele,
ou seja, para o bebê ele e a mãe estão fundidos. Durante esta fase de
indiferenciação o infante pode formar uma ilusão onipotente de uma
independência absoluta, já que tudo o que ele necessita e deseja, encontra-se
nesta relação simbiótica.
No entanto, no decorrer do
desenvolvimento o contato com realidade vai rompendo com essa onipotência e
evidenciando que o que existe, na verdade, é um estado de absoluta dependência.
Por isso, a separação da mãe, por meio da entrada de um terceiro na relação
mãe-bebê torna-se fundamental para o estabelecimento de frustrações necessárias
em direção ao reconhecimento e aceitação da incompletude e falta. Se o bebê não
passa por este processo, ou seja, se ele permanece na ilusão da independência e
completude, ele poderá ter dificuldades em suportar a realidade. Neste sentido,
ele pode estar constantemente buscando aquela satisfação perdida, quais sejam,
sentir-se poderoso e indispensável.
Para o sujeito narcisista, reconhecer que necessita de outros, demanda sofrimento.
O sujeito pode então recorrer a mecanismos de defesa como negação e onipotência
para fugir dessa realidade, para não ver ruir sua autoestima e sentimento de
identidade. De modo geral, o sujeito passa pela vida tentando fugir do que
Zimerman (1999) chama de verdades penosas, quais sejam: reconhecer que não é o
único importante, que sofre dependência, perdas e separações. Esta necessidade
poderá ser ampliada para tudo o revele um limite, como a morte, o
envelhecimento e tantos “Nãos” que receberá ao longo da vida.
Associado a isto, elucida-se a
dificuldade destes sujeitos em reconhecer seus limites: envelhecimento, morte,
perda. A este respeito cita-se como exemplo: Paciente
J, 25 anos, ao agendar uma sessão para a terapeuta pediu a mesma um horário que
já tinha outra pessoa marcada. Indignado o referido paciente solicitou que a
profissional desmarcasse com o outro cliente para que fosse atendido. Este
relato evidencia a dificuldade do mesmo em lidar com limite, não ser o único
importante para a terapeuta e sentir-se desprivilegiado.
Nos transtornos narcisistas,
evidencia-se um lado regressivo, por meio de características com baixa
tolerância a frustração, uso de negações, inveja entre outros. Assim, é
possível que o sujeito transforme sua insegurança e dependência em
autossuficiência e onipotência. Neste sentido, evidencia-se o que Zimerman
(1999) chama de núcleo de simbiose e ambiguidade.
Na relação com
psicoterapeuta estes pacientes fazem uso de demasiada identificação projetiva,
ou seja, uma forma de comunicação inconsciente em que aspectos do próprio
sujeito são negados e atribuídos ao psicoterapeuta. Nesse sentido, pode-se
apontar para a vinheta clínica do caso clínico da jovem, 21 anos, recém
graduada e que não passou em um processo seletivo para uma vaga de emprego na
qual sentia que tinha todas as condições para assumir:
eu não acredito que não passei, era o emprego dos meus sonhos e
sempre me dediquei para isto. Acho que você já sabia que eu não iria passar.
Acho que agora vou fazer outra faculdade e virar estagiária.
Complementando que já foi
apontado até aqui é possível conhecer que podem ser delineadas outras
características desta personalidade narcisista, tais como: possuir a tendência
a generalizar alguma deficiência para a totalidade de sua pessoa.
Assim, pode funcionar em
extremos, ou é o melhor, ou é o pior. As falhas e fracassos são sentidas como
insucesso na totalidade de sua estrutura e sobre essa característica, aponta-se
para o relato de um paciente, caso A, após um tempo de processo terapêutico:
eu acho que tive um insigth (pausa), eu visualizei um monstrinho
correndo, fugindo de mim, daí eu cheguei devagarinho, e cuidei dele, fiz
carinho e ele se acalmou...eu penso que não preciso mais lutar contra coisas
que eu criticava em mim, sou vaidoso, ambicioso, quero ser mais,
melhor...talvez se eu souber dosar pode ser bom...porque se eu ficar
acreditando que tudo é ruim não vou a lugar nenhum.”
No processo terapêutico
torna-se importante ajudar o paciente a integrar o seu self, superando essa
lógica dualista de ser ou bom ou mal. Frisa-se, ainda, a auto exigência como
uma outra característica comum entre os narcisistas. A fim de satisfazer um
ideal de ego e ego ideal severos, a autoestima sofre uma espécie de pressão,
ficando vulnerável. O ego ideal se constitui das ambições pessoais enquanto o
ideal de ego representa a necessidade do sujeito em cumprir as expectativas e
ideais dos pais e da sociedade.
A esse respeito, quando a
autoestima do sujeito depende quase que exclusivamente do cumprimento da
obrigação de corresponder às expectativas de si próprio ou de seus pais ou
representantes, isto produz, inexoravelmente, sofrimento psíquico. Além disso,
tal qual apontado por Lasch (1987) há uma profunda indiferença para com tudo
que não seja interesse do próprio individuo, pois, o narciso da época atual é
exigente e tirânico em relação a tudo e a todos que podem opor-se à satisfação
dos seus desejos imediatos. Assim, uma configuração narcisista necessita
satisfazer-se com o constante reconhecimento alheio que se torna uma espécie
“alimento”. A busca incessante por riqueza, poder, inteligência, beleza entre
outros, servem para as pessoas confirmarem seu valor.
Bleichmar (1983), utilizou o termo depressão narcísica para designar o quadro
clínico em que, frustrações pequenas são sentidas como desamparo, humilhação e
aniquilamento, por não atender as exigências do ideal de ego e ego ideal. Outra
consequência da tentativa de super adaptação em relação as demandas do ego é a
construção de um “falso self”, em que o sujeito afasta-se de seu verdadeiro eu,
para ser aquilo eu crê que seja idealizado e desejado pelos outros e por ele
mesmo. Esse “falso self” esgota facilmente o ego porque o sentimento de
insatisfação é continuo, e obriga o sujeito a ultrapassar até mesmo seus
limites.
De acordo com Zimerman (1999),
na construção da personalidade narcisista, geralmente existem falhas ocorridas
no processo de identificação com as figuras parentais, que pode ocorrer pela
apreensão do discurso parental ou imitação ou degeneração do modelo
introjetado. De qualquer forma, é na relação com as figuras importantes que a
criança vai percebendo as necessidades e expectativas do meio e vai moldando
sua personalidade, podendo até mesmo distanciar-se de seu eu verdadeiro. Zimerman
(1999) utiliza o termo personalidade “camaleônica” para designar as pessoas que
se adaptam conforme o ambiente, valorizando mais as demandas externas do
ambiente que suas próprias ideias e desejos. No caso A, citado anteriormente, o
paciente costumava-se sentir vulnerável e influenciável:
Sou um Maria vai com as outras, o outro é que é referência, se
estou próximo de um gigante, poderoso, bem-sucedido, quero ser como ele, quando
estou com um cara simples, que não se importa com isso, eu também quero ser
como ele. Além disso, sinto que falo o que as pessoas gostariam de ouvir, sei
agradar, fico preocupado se causei uma boa impressão, fico com medo dos erros
aparecerem”.
Para que isto ocorra, é natural
que falhas precoces sofridas pelo sujeito nos primeiros anos de vida, tenham
prejudicado o desenvolvimento saudável de sua autoestima. Assim, a
personalidade narcisista, frágil em sua confiança básica e segurança básica,
passa a utilizar com frequência um jogo e comparações, para reafirmar ou
descartar seu valor. Para a paciente M, 43 anos, caso B, a família dos outros
sempre era melhor que a sua e desta forma passava a inferiorizar-se:
Eu praticamente não tenho família e me contentar que a minha
família não me ajuda, se eu tivesse a família igual à da fulana, tudo seria
diferente, tudo dá errado para mim por causa desta família, mas se eu tivesse
uma família com dinheiro como a dela, eu ainda seria melhor que ela. Acho que
até fazer dieta seria mais fácil.
Para o psicanalista Zimerman
(1999), Narciso e Édipo estão inter-relacionados, muitas vezes, um torna-se o
refúgio para o outro. Nem sempre uma regressão narcisista resulta numa fuga do
Complexo de Édipo, mas sim numa nova tentativa de fazer um começo diferente,
com uma base de autoestima suficiente para superar o complexo de édipo e seguir de
forma mais madura e saudável. Com tudo o que foi exposto, podemos delinear a
matriz, as principais defesas e a psicodinâmica desta estrutura. Para Rosenfeld
(1987) o narcisismo pode ser também classificado em dois tipos:
- Narcisista de “pele fina” que são
aqueles que são supersensíveis, melindráveis, com uma extrema
vulnerabilidade na autoestima, que se colocam num papel de vítima, para de
alguma forma, assegurar o poder. Este tipo de narcisista reage com dor a
tudo que parece rejeição, sensação de inferioridade e utilizam-se da
ameaça suicida como uma forma de controle. Também é comum o sujeito “pele
fina’ a oscilação entre estados emocionais e exige um trato especial do
psicoterapeuta.
- Narcisista “pele grossa”. Este
tipo apresenta-se de forma mais arrogantes, prepotentes, com uma atitude
defensiva e agressiva, intimidadores, insensíveis aos aspectos de
dependência. Aparentam superioridade, quando na realidade, apresentam um
self destrutivo. Estas pessoas funcionam a partir da “tríade
maníaca”: atitude de controle, triunfo e desprezo. Na realidade essas
características encobrem, dissimulam e protegem uma subjacente pele fina. Para
evitar as dores das velhas e precoces feridas narcísicas, constroem uma
espessa cicatriz de pele grossa. O narcisismo de pele grossa, aproveita
seus conflitos como uma força para ir atrás das coisas que deseja, sua
ferida é o seu “combustível”.
No caso do paciente A, podemos
considerar seu narcisismo do tipo pele grossa, pois apesar de sua insegurança,
baixa autoestima e medos de rejeição, abandono entre outros, ele transformava
sua vulnerabilidade em força para lutar, superar, crescer, e ir em busca de
seus sonhos e ideais. Apesar de suas feridas e conflitos, sentia-se um
“guerreiro” e “não entregava os pontos” (palavras do paciente). Quando
encontrava uma dificuldade transformava em desafio e buscava força para
superar. Já os narcisistas de pele fina adotam uma postura de desistência
na vida. Como exemplo de uma estrutura tipo pele fina, citaremos trecho da
sessão da paciente S, 21anos, em sua terceira faculdade (não concluída):
“Quando eu piso nos corredores desta instituição
de ensino sinto minhas pernas me puxando para fora. É como se elas me dissessem
que não vou dar conta mais uma vez, aí eu prefiro nem ir mais e desistir”.
De acordo com Zimerman (1999),
os pacientes que possuem muitas características da posição narcisista que
pertencem ao que se chama “pacientes de difícil acesso”, que por sua vez,
evidenciam a necessidade um manejo técnico cuidadoso e especial. Torna-se
importante a análise dos aspectos narcisistas, em termos de grau (moderado ou
intenso), e natureza (sadia ou patológica). Compreender o perfil do paciente
narcisista: a base da estruturação do paciente narcisista encontra-se na forma
como se desenvolveu o apego da criança com sua mãe. Situações
de precoce fracasso ambiental, como privações maternas, possessividade
narcisista da mãe em relação ao filho, falhas na empatia, falhas da capacidade
de frustrar a criança adequadamente, depressão materna no momento primordial do
investimento do olhar e amor da mãe para com o bebê, entre outros. Tais
aspectos dificultam a construção do apego saudável e trazem consequências
negativas para a autoestima da criança que apresenta como resultante disso
tudo, um prejuízo na construção da confiança básica, da constância objetal, da
passagem da indiferenciação para a de separação e individuação e da
internalização de objetos bons, com largos “vazios” no espaço psíquico
(Zimerman, 2004).
As situações que remetem a
alguma forma de desamparo, constituem-se na chamada ferida
narcísica que representam a vivência da dor precoce. Na tentativa de
esconder a necessidade de dependência e cuidado, o medo das humilhações e
abandono, o paciente narcisista, como salientado anteriormente, procura
controlar as situações, usando todos os recursos que desenvolveu por
compensação, tais como: os atributos de beleza, poder, status, e inúmeras
outras capacidades valorizadas por nossa cultura. Porém, permanece sob tensão,
pois vive em luta constante para não sucumbir a depressão anaclítica, que
remete ao primitivo desamparo e falta da figura materna. A principal angústia da estruturação narcisista que é
a denominada de desamparo, que leva a ansiedade de aniquilamento e abandono.
Para o paciente narcisista
conectar-se com a realidade interna é algo extremamente penoso, pois reconhecer
as suas limitações e aceitação da realidade, pode se constituir uma ameaça ao
seu ego frágil. Estes pacientes possuem ainda, um baixo limiar de tolerância a
frustrações vindas do psicoterapeuta, pois teme decepcionar o mesmo e, assim,
ser abandonado como foi percebido outrora na sua relação com a mãe.
No processo terapêutico destes
pacientes, por meio do setting e do reconhecimento da relação transferencial –
contratransferencial, que o terapeuta ajuda o paciente a distinguir as frustrações
necessárias das desnecessárias e inadequadas. O terapeuta precisa, então,
deixar bem claro o enquadre deste processo, pois é muito comum que o paciente
narcisista tente desvirtuar o setting instituído
e fazer com que o terapeuta quebre algumas regras técnicas. O paciente tenta
fazer essa transgressão, pois ele precisa sentir que é diferente dos outros
pacientes, ele quer sentir-se mais especial que os outros, pois isto seria uma
prova do amor do terapeuta. Utiliza para isso, sedução, chantagem e desafios
para tirar o terapeuta do seu papel e sentir assim mais igual e menos
dependente. Pode-se citar novamente o caso do paciente A que, no primeiro
contato telefônico deixou claro que por ter uma profissão reconhecida
socialmente e que o tornava muito ocupado, esperava que a terapeuta conseguisse
um horário especial para ele, que a terapeuta precisaria se esforçar para
encaixar sua sessão. Assim ele se apresenta e se coloca nas relações, esperando
ser tratado com privilégios, para confirmar seu frágil sentimento de
superioridade.
Assim, consideramos importante
enfatizar a necessidade da preservação da assimetria da relação terapêutica,
uma vez que para o paciente narcisista é indispensável a colocação de limites,
o estabelecimento da hierarquia e reconhecimento das diferenças entre ele e o
outro. A este respeito, trazemos o caso da paciente M, 43 anos (Caso B, também
já citada anteriormente) que insiste em chamar a terapeuta de “amiga”, por
diversas vezes, no setting, foi colocado que esta relação não é uma interação
de amizade e a mesma insistiu em chamá-la desta forma como uma tentativa de
burlar a relação hierárquica entre elas.
A construção de uma aliança
terapêutica é fundamental, incluindo aquilo que Bion chama de “pessoa real do
analista”, pois o terapeuta está servindo como um novo modelo de identificação,
que vai oferecer novas formas de enfrentar as angustias, funcionar como
continente, e ajudar o paciente a pensar sobre as verdades. O terapeuta deve
auxiliar o paciente a realizar uma integração do self, mostrando as conquistas
e potencialidades dos pacientes bem como aquilo que é desafio para ele, ou
seja, integrar a parte adulta e a parte infantil.
Com sua atividade
interpretativa o psicoterapeuta propicia o crescimento mental do paciente. Para
isso é necessário que o terapeuta esteja atento para seus próprios aspectos
narcisistas, e não formar conluios inconscientes. O já citado paciente do caso
A, tentava “seduzir” a terapeuta dizendo, por exemplo, que em sua família havia
a prática de procurar sempre os melhores profissionais da cidade, que só se
tratavam com pessoas muito competentes. Já a paciente do caso B, afirma que a
vida dela é outra depois que se começou a se consultar com a melhor terapeuta
da sua vida. Por esses discursos vemos a necessidade do paciente de confirmar
para si mesmo sua importância com a ideia de ir ao que ele espera ser “melhor”
terapeuta. Ao mesmo tempo comunica sua expectativa de que o profissional se
dedique mais ao paciente e atenda suas expectativas. Um misto de reconhecimento,
expectativas e autoafirmação, além de exibicionismo.
É muito comum no início do
tratamento que o paciente narcisista faça uma idealização necessária do
terapeuta, que se transforma no decorrer do processo. Da mesma forma, o
paciente gostaria que o terapeuta o idealizasse, pois na logica psíquica essa
seria uma garantia de não separação ou abandono. O terapeuta deve estar
atento também as resistências e contra-resistenciais, pois esta é uma indicação
sobre o funcionamento do paciente. O terapeuta por vez necessitara ter uma boa
capacidade de continência, para tolerar e transformar os sentimentos, tais
como, a “fúria narcísica”
(Kohut) que surge no decorrer do processo psicoterapêutico. De acordo com
Kohut, algumas formas de transferência narcisista: fusional, na qual o paciente
espera que o terapeuta adivinhe e dê conta das necessidades dele. O tipo
“gemelar”, na qual o paciente espera que o terapeuta seja como ele é, que apoie
e confirme suas teses. E a do tipo especular, na qual espera que o terapeuta
reconheça sua grandiosidade exibida por ele.
O paciente do caso A costumava
apresentar o seguinte padrão: todas as vezes que a terapeuta se afastava por
motivo de férias ou algum imprevisto importante que necessitasse desmarcar a
consulta, tornava-se comum a ausência na sessão seguinte ao retorno. Uma forma
de demonstrar sua ambivalência com o afastamento da terapeuta. Ao mesmo que
trazia à tona sua dúvida quanto a seu valor e aceitação, uma ferida primitiva,
também precisava sentir-se no controle, e por isso a falta seguinte, para não
se sentir tão vulnerável, já que apresentava medo da dependência afetiva.
“Estou com medo de ficar dependente de ti,
porque eu não consegui decidir aquilo, eu precisava da tua opinião, e não deu
tempo, fiquei com raiva não de ti, mas porque eu queria muito vir... ás vezes
eu preciso de ti e tu não estás”.
Já a paciente do Caso B, ligou
para terapeuta enquanto esta estava de férias, para certificasse que a
terapeuta estava viva porque, segundo ela, precisava dela viva para continuar
vivendo. Por fim, entende-se que os conceitos, a caracterização, bem como as
vinhetas clínicas até aqui apresentadas são apenas alguns delineamentos da
estrutura narcisista que vão além do que abordado. À guisa de conclusão,
sabe-se que um paciente narcisista pode beneficiar-se de uma psicoterapia em
que estejam claras as nuances desta estrutura pois, compreende-se que possuir
uma dose de narcisismo, gostar-se, ser bom naquilo que faz, mas sem
escravizar-se é saudável. Porém, sofrer por conta das próprias exigências, toma
outro contorno que se afasta do narcisismo saudável. Como psicoterapeutas,
vivencia-se cotidianamente a presença de pacientes com vários níveis de
narcisismo e sofrimento, o delineamento do processo terapêutico bem-sucedido com
empatia e cuidado pode descortinar o aprisionamento destes pacientes que
tiveram seu desenvolvimento reprimido. Acredita-se que é possível vislumbrar um
bom prognóstico, quando o gelo intrapsíquico e a angústia interior forem
atingidas neste processo e propiciarem o crescimento emocional destes
pacientes.
SOBRE OS AUTORES
Dra.
Vanessa Silva Cardoso - Doutora em Psicologia Clínica e Cultura (UnB)
Dra.
Maria Helena Cruz Moraes - Doutora em Psicologia ( UFSC)
Juline
Aldane da Silveira - especialista em Psicologia.
REFERÊNCIAS
Berlinck,
L.C (2008). Melancolia, rastros de dor
e de perda. São Paulo: Humanitária, Associação de Acompanhamento
Terapêutico, CAP II.
Bleichmar, H (1983) Depressão: um estudo psicanalítico. Porto
Alegre: Artes médicas.
Figueiredo, L.C (2003). Psicanálise. Elementos para clínica
contemporânea. São Paulo: editora escuta Ltda.
Freud, S (1914). Sobre o
Narcisismo: uma introdução. Rio de Janeiro: Imago, 1990.
Lasch, C (1987) O mínimo eu. Sobrevivência Psíquica em tempos
difíceis. São Paulo: editora brasilense.
Mackinnon, R. A; Michels, R;
Bucley, P. J (2008) A entrevista
Psiquiatrica na prática clínica. Porto Alegre: artmed
Roudinesco, E. (1999) Por que a Psicanálise? Rio de Janeiro:
Jorge Zahar editor
Zimerman, D. E (1999). Fundamentos Psicanalíticos: teoria, técnica e
clínica: uma abordagem didática. Porto Alegre: Artmed.
Wanderley , A. A. R
(1999). Narcisismo Contemporâneo: uma abordagem laschiana. Em: PSYSIS: Revista de Saúde Coletiva. 9
(2), pp. 31-47.