quinta-feira, 24 de novembro de 2011

DIREÇÃO SEGURA = ZERO DE INGESTA DE ÁLCOOL - DIZ ESTUDO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE MEDICINA DE TRÁFEGO.

No momento em que discutimos no Brasil a possibilidade de descriminalização de algumas substâncias capazes de produzir alteração do estado de consciência, como a maconha, ainda não chegamos a um consenso cultural – educacional, sobre a utilização de bebida alcoólica e direção de veículos automotores.  
O estudo abaixo publicado na  revista da Associação Médica Brasileira – AMB,volume 54, nº 5 / São Paulo, edição de setembro/outubro de 2008,  de autoria da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego, publicado em 11 de julho de 2008, demonstra claramente que não há um limite seguro de alcoolemia para garantir segurança ao dirigir.
Contrariamente à tese de alguns que insistem em afirmar que conseguem dirigir mesmo após ingestão de bebidas alcoólicas, os estudos demonstram que essa afirmativa não corresponde à verdade e que quando testados, mesmo em doses menores, ocorre diminuição da capacidade de desempenhar funções cruciais para a condução de veículos, como processamento de informações, se inicia com alcoolemias baixas, e a maioria dos indivíduos se encontra significantemente debilitada com alcoolemia de 0,5 g/l.
Guardadas as diferenças individuais e demais variáveis observáveis, o estudo conclui que: “não existe concentração segura, sendo, portanto, a alcoolemia zero o único padrão proposto de dirigibilidade sem riscos.”.
Slrm
*  Grifos, sublinhados e negritos,no texto original são destaques de minha autoria.
Veja o texto original abaixo:

Rev. Assoc. Med. Bras. vol.54 no.5 São Paulo Sept./Oct. 2008
http://dx.doi.org/10.1590/S0104-42302008000500006 

Alcoolemia e direção veicular segura.

Autoria: Associação Brasileira de Medicina de Tráfego
Participantes: Adura FE, Leyton V, Ponce JC, Sabbag AF
Elaboração Final: 11 de julho de 2008
Descrição do método de coleta de evidência: Os dados que serviram de base para a elaboração desta diretriz foram obtidos por meio da revisão bibliográfica de artigos científicos e dados oficiais de órgãos governamentais e organizações internacionais de Trânsito e Saúde.
Graus de recomendação e força de evidência:
A: Estudos experimentais ou observacionais de melhor consistência.
B: Estudos experimentais ou observacionais de menor consistência.
C: Relatos de casos (estudos não controlados).
D: Opinião desprovida de avaliação crítica, baseada em consensos, estudos fisiológicos ou modelos animais.

Objetivos
Avaliar as conseqüências do consumo do álcool nas funções motoras e psicológicas utilizadas na condução de veículo automotor, e definir uma orientação sobre seu consumo consciente e seguro, visando à redução de mortes e de ferimentos decorrentes do dirigir alcoolizado.
 Conflito de interesse
Nenhum conflito de interesse declarado.


Introdução
O álcool é uma substância psicoativa que pode alterar percepções e comportamentos, aumenta a agressividade e diminui a atenção1(B). Estima-se que no mundo dois bilhões de pessoas sejam consumidoras de bebidas alcoólicas e já é de consenso que o uso de álcool está relacionado com vários tipos de violência, incluindo os acidentes de trânsito2,3(B)4( D).
O Código de Trânsito Brasileiro vigente estabelece como limite para criminalização do ato de beber e dirigir a concentração de álcool no sangue (alcoolemia) igual ou superior a 0,6 g/l. Motoristas que estiverem dirigindo com essa concentração estão impedidos de conduzir veículo automotor5(D). Essa Lei é pouco conhecida pela população e apenas 13% a 22% dos condutores souberam responder de forma correta o limite legal6,7(B).
Uma dose (uma lata de cerveja, uma taça de vinho ou meio copo de uísque) corresponde a aproximadamente 12 g de álcool.
Um adulto médio (homem, 70 kg ou mulher de 62 kg, em bom estado de saúde), consumindo duas doses, atingirá uma alcoolemia de 0,3-0,5 g/l8(B).
O segundo levantamento domiciliar sobre o consumo de drogas psicotrópicas do CEBRID indica que 74,6% da população brasileira consumiram álcool durante sua vida, 12,3% são dependentes e 7,3% se envolveram em situações de risco físico. Todas essas porcentagens foram maiores para o sexo masculino do que para o feminino, se analisados em separado9(B).
Os acidentes de trânsito são a décima causa de todas as mortes e a nona causa de morbidade em todo o mundo, vitimando fatalmente 1,2 milhões de pessoas todo ano, e ferindo de 20 a 50 milhões. A América Latina apresenta um panorama ainda mais preocupante, por ter as maiores taxas de fatalidades no trânsito de todas as regiões do mundo, 26,1 mortes para cada 100 mil habitantes, o dobro da média mundial10(B)11(D ).
O Brasil tem uma taxa de 6,3 acidentes para cada 10 mil veículos registrados12(C).
Estudos sobre a associação de álcool e acidentes de trânsito são numerosos na literatura; no entanto, o Brasil, apesar de apresentar uma alta taxa de acidentes, tem poucos, mas valiosos, estudos.
Estudo realizado em sala de emergência de São Paulo mostrou que 28,9% das vítimas de trauma atendidas apresentaram alcoolemia positiva13(B).
Valores variam de 19,8%, para condutores numa amostra geral que conduzem acima do limite legal, a 47%, em vítimas fatais de acidentes de trânsito6,14-16(B).
O Código de Trânsito Brasileiro acarretou em uma redução de 20% nos traumas em ocupantes de veículos, e 9% nos condutores de motocicletas, mas a diminuição de condutores alcoolizados só ocorreu neste último grupo17(B).
Estima-se que os custos anuais dos acidentes de trânsito nos Estados Unidos somaram US$ 230,6 bilhões no ano de 2000, com 41.821 mortes, 5,3 milhões de feridos e 28 milhões de veículos danificados, sendo que o álcool responde por 46% dos custos decorrentes de mortes18(D). Campanhas de prevenção e de fiscalização do motorista embriagado resultam em uma economia de seis dólares para cada dólar investido19(A).
No Brasil, dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) mostram que o custo total dos acidentes em aglomerados urbanos chega a 5,3 bilhões de reais20(D). Custos de ferimentos no trânsito respondem por um quarto de todos os custos com empregados para as empresas americanas21(D).
No entanto, o estabelecimento de um limite de alcoolemia, mesmo que baseado em evidências, não é suficiente para coibir todos os acidentes relacionados ao álcool, especialmente se considerarmos os indivíduos que podem estar alterados com concentrações abaixo do limite legal, e que sofrem acidentes fatais. Isso foi demonstrado pela National Highway Traffic Safety Agency (NHTSA) dos Estados Unidos, que relatou que 13% dos condutores alcoolizados que morreram em acidentes estavam com alcoolemia positiva, porém abaixo do limite máximo permitido22(A).
No Brasil, estudo recente mostrou que 38% dos condutores dirigiam, naquele momento, sob efeito do álcool, sendo que 18% com valores de alcoolemia inferiores ao estabelecido por lei. Um dado alarmante é que 22,9% dos condutores acreditavam que a bebida não influenciava negativamente sua capacidade de dirigir, sobretudo se adotam medidas tidas como protetoras, como tomar café e dirigir com mais cautela6(B).
 Riscos de direção veicular devido ao uso de álcool
Os riscos de ocorrer acidentes de trânsito aumentam se o condutor ingerir bebida alcoólica.
Condutores com alcoolemia igual ou superior a 0,2 g/l ficam com as habilidades necessárias para a condução prejudicadas, como funções de atenção dividida, visuais e acompanhamento de movimento8(B)23(D ).
O risco de envolvimento em um acidente fatal para condutores com alcoolemia entre 0,2 e 0,5 g/l é de 2,6 a 4,6 vezes maior do que o de um condutor sóbrio8(B).
A diminuição da capacidade de desempenhar funções cruciais para a condução de veículos, como processamento de informações, se inicia com alcoolemias baixas, e a maioria dos indivíduos se encontra significantemente debilitada com alcoolemia de 0,5 g/l. O risco relativo de se envolver em um acidente fatal como condutor é de 4 a 10 vezes maior para motoristas com alcoolemia entre 0,5 e 0,7g/l, se comparados com motoristas sóbrios24(A)8( B).

Intervenções
Estratégias como suspensão da carteira, ações coercitivas realizadas pela polícia como blitz de checagem de alcoolemia, diminuição do limite máximo permitido e proibição da condução com qualquer concentração alcoólica têm efeito de reduzir até 62% o número de vítimas fatais em acidentes relacionados ao álcool25,26(D).
Há pesquisas que demonstram que nos países desenvolvidos tem havido uma apreciável diminuição no número de vítimas fatais nas ocorrências de trânsito26,27(D). A melhoria na conservação das estradas, equipes de APH (Atendimento Pré-Hospitalar) melhor treinadas, leis mais severas e a nova tecnologia embarcada nos veículos (cintos multipontos, air-bags, carrocerias que absorvem impacto, etc.) foram fatores determinantes nesta diminuição.
Uma supervisão rigorosa do cumprimento das leis sobre o consumo e a venda do álcool também contribui para diminuir as taxas de óbitos por acidentes de trânsito27(D).
Apesar das leis acerca de níveis máximos permitidos para condução desencorajarem mais fortemente os "bebedores sociais" de dirigirem após consumirem uma pequena quantidade de álcool, há certo efeito sobre os "bebedores pesados", visto que há diminuição também de acidentes com condutores com alcoolemias mais altas19(A).
As leis não devem ser somente promulgadas, mas divulgadas e aplicadas (fiscalização) de forma constante. Mesmo quando há um efeito considerável na redução de acidentes devido à entrada em vigor de uma lei, esse efeito pode ser anulado após certo período de tempo, se houver percepção pública de impunidade e/ou desconhecimento da lei vigente. Campanhas de publicidade e educação pública e fiscalização severa são capazes de manter o sentimento de risco de punição e resultam em um cumprimento maior da lei28(D).
Pessoas que morreram em acidentes relacionados ao álcool (concentração no sangue do condutor de 0,2 g/l ou maior) tinham maior probabilidade de terem sido condenadas por uma infração de direção sob efeito de álcool nos cinco anos anteriores29(B).
Do exposto acima, refletindo sobre a quantidade de informações existentes e sabendo que há uma grande variabilidade dos efeitos devido à susceptibilidade individual dos condutores (sexo, peso, etnia, hábito ou não de consumir bebidas) nos leva a afirmar que não existe concentração segura, sendo, portanto, a alcoolemia zero o único padrão proposto de dirigibilidade sem riscos.

Referências
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 O texto completo da Diretriz: Alcoolemia e Direção Veicular Segura está disponível nos sites: www.projetodiretrizes.org.br e www.amb.org.br.



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