segunda-feira, 15 de agosto de 2011

UM ESTUDO SOBRE A MENTIRA.

         Uma coisa que costuma incomodar muito ás pessoas é a mentira, especialmente se essa mentira traz algum prejuízo ao outro. Algumas espécies de mentiras nem são tão levadas á sério e em alguns casos até podem ser admitidas, como aquelas para defender alguém ou por um propósito considerado nobre.
         Há que se pensar que a mentira não é apenas o contrário da verdade, pois que a verdade em si mesma pode também ser relativa. Algo que para uma cultura seja verdadeiro, pode não sê-lo para outra e a verdade mesma, pura, ninguém a conhece. O ditado bíblico diz: conhecereis a verdade e ela vós libertará (João 8:32), isso pode implicar que essa verdade tenha um peso muitas vezes insuportável a maioria das pessoas. A verdade nua e crua, pode ser cruel, dependendo da situação, tanto quanto uma mentira grave.
         Cabe então refletir sobre a verdade e mentira, pois como disse Joseph Goebbels, Ministro da Defesa de Hitler, “uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade”. Obviamente pela convicção com que se coloca a mentira e pela forma como é reproduzida adquire uma concepção que  transmite a idéia de verdade.
         Nietzsche, por exemplo, preferia não definir verdade nem aceitar sua definição, porque para ele é um mero ponto de vista, pois dizia não se poder alcançar uma certeza sobre a definição do oposto da mentira.
         Dentro do princípio Aristotélico, a concepção de verdade ocorre como uma adequação dentro daquilo que se dá na realidade e aquilo que se dá na mente. Portanto, uma forma da mente perceber a realidade, o que pode, mesmo havendo um senso comum, diferir entre pessoas.
         Já segundo Martim Heidegger (filósofo e metafísico), a concepção de verdade é um desvelamento, ou seja, o conhecer a verdade é deixar o ser se manifestar, é estar aberto para o ser. Numa concepção moderna portanto, a verdade é algo que está sempre em construção, possuindo assim, um “valor verdade” sempre inferior a 100%. Se olharmos sob esse prisma poderíamos dizer que não há uma verdade plena e que portanto, seu oposto, a mentira, também não é plena e concorre diretamente para a construção da verdade.
         Então nos questionamos o que é a mentira? Por que ela tanto incomoda as pessoas?
         O dicionário oline Wikpédia define: “Mentira é uma declaração feita por alguém que acredita ou suspeita que ela seja falsa, na expectativa de que os ouvintes ou leitores possam acreditar nela “
         No dicionário Aurélio, a mentira é definida como: “Ato de mentir, engano, impostura, fraude, dissimulação, falsidade. Hábito de mentir. Engano dos sentidos ou do espírito,  erro, ilusão : as mentiras do mundo. Idéia, opinião, doutrina ou juízo falso. Fábula, ficção.Biscoito redondinho, achatado, feito de massa de pão-de-ló, mentirinha.
         Denis Diderot, em seu "Le Neveu de Rameau" in: "Œuvres inédites: Le neveu de Rameau. Voyage de Hollande" - Página 7, (J.L.J. Brière, 1821 - 388 páginas), diz: "Engolimos de uma vez a mentira que nos adula e bebemos gota a gota a verdade que nos amarga." Faz aqui uma alusão clara de que somos capazes de aceitar um fato mentiroso desde que esse satisfaça nosso ego, ou seja nos adule, embora não desejamos saber da verdade quando essa nos é dura, e preferimos sorvê-la gota a gota. Nesse  caso, a verdade por mais real que seja, machuca mais que a mentira que embora falsa pode acalentar nossas ilusões. Pais p.ex., podem aceitar mentiras, mesmo que pequenas, dos filhos, na ilusão de que são de menor importância e passageira, ao invés de propor-lhes a correção ética, muito mais árdua, que poderia denotar uma falha no seu sistema educacional que não estão dispostos a admitir.
         Santo Agostinho um dos maiores pilares filosóficos da Igreja Católica Romana, afirma : “Quem enuncia um fato que lhe parece digno de crença ou acerca do qual forma opinião de que é verdadeiro, não mente, mesmo que o fato seja falso". “Não há mentira, apesar do que se diz, sem intenção, desejo ou vontade de enganar". Aqui mais uma vez, mentira e verdade se entrelaçam,  pois segundo o filósofo se o fato sobre o qual se afirma é falso, mas quem o faz possui a convicção de que é verdadeiro, portanto mesmo sendo mentira adquire aspecto de verdade. Considera como mentira somente aquela situação em que aquele que mente expresse o desejo, vontade e intenção de enganar.
         Natalie Portman, em uma cena do filme Closer, diz: "O que há de tão bom na verdade? Tenta mentir para variar, é o jeito do mundo."  Nessa fala do filme subtende-se a mensagem do autor de que no mundo as pessoas preferem a mentira á verdade na qual nada vê de bom.
         Existem muitas considerações sobre verdade e mentira que demonstram a sutileza e a tênue linha a separar os dois lados. Parece inclusive que a sociedade, de alguma forma, a mídia, a política, o comércio, entre tantos outros aspectos, preferem privilegiar a mentira, ou pelo menos admiti-la como não tão prejudicial, como forma de manifestação.  Assim vemos em Hannah Arendt, em  Wahrheit und Lüge in der Politik: Zwei Essays - Página 44, Publicado por R. Piper, 1972 ISBN 3492003362, 9783492003360 - 92 páginas, o seguinte trecho sobre políticos e demagogos: "As mentiras sempre foram consideradas instrumentos necessários e legítimos, não somente do ofício do político ou do demagogo, mas também do estadista".(- Lügen scheint zum Handwerk nicht nur des Demagogen, sondern auch des Politikers und sogar des Staatsmannes zu gehören).
 Mantendo essa mesma linha de pensamento vemos em  Guesses at Truth - Página 156, de Julius Charles Hare, Augustus William Hare, Edward Hayes Plumptre - Publicado por Macmillan, 1867 - 576 páginas, a seguinte citação: ”Os mentirosos mais nocivos são os que deslizam à beira da verdade." Uma forma clara de afirmação que admite uma relatividade da mentira bem como da verdade, sugerindo que há maior perigo naqueles que mentem aproximando-se da verdade ou por meio de meias verdades.
         A mentira não pode ser compreendida como simplesmente o contrário da verdade, mas deve haver em sua substância a intenção de enganar ou de prejudicar, não apenas uma distorção da verdade. No seu aspecto ético relaciona-se mais ao dolo ou ao prejuízo que é capaz de produzir ao outro. A importância que se dá ao tamanho da mentira está relacionada com o efeito que pode causar como dano ou prejuízo a alguém, e nesse caso, uma mentira pequena ou grande, deve ser medida pelo estrago que produz não por seu tamanho.
         A sociedade tem adotado mentiras como normas de conduta e de boa educação (o que certamente pode confundir os mais jovens), como por exemplo, elogiar um penteado feminino, maquiagem ou roupa, quando no íntimo está achando aquilo horrível. Dar bom dia a alguém a quem por algum motivo não temos a intenção ou desejo que tenha um bom dia. Elogiar um jantar, almoço ou recepção quando  realmente não sentimos motivos para tal elogio. Uma mentira piedosa pode ocorrer,  por exemplo, quando se diz a alguém cuja saúde esteja fracassada que está melhorando ou que vai recuperar-se.
         Qual o motivo de mentirmos? Muitas vezes está relacionado á insegurança, a uma necessidade de afirmar-se e de apresentar-se de forma a que receba a aceitação social. Funciona como um mecanismo de defesa contra um sentimento de inferioridade. Pode-se avaliar o grau e o sentimento de inferioridade pela constância e tamanho das mentiras. Mentir sobre a própria pessoa ou feito, funciona como uma maquiagem para encobrir determinada deficiência ou insegurança, cujo resultado só é positivo enquanto não desmascarado. Quando a máscara cai, pode ocorrer um enorme sofrimento ao mentiroso e a sua estrutura de defesa egóica fica prejudicada.
         A mentira pode ser usada para uma valorização do ego quando, por exemplo, se atribui uma qualidade da qual sabe-se não ser possuidor, ou quando intencionalmente desmerece outra pessoa com intuito de beneficiar-se na situação (ex. emprego).
         Uma característica que alguns autores denominam mentira branca é o tipo de mentira banalizada e socialmente aceita, utilizada pelas pessoas para melhorar o relacionamento social, evitar conflitos e ofensas. É o que se poderia considerar uma mentira boa e socialmente aceita. Fazem parte desse grupo mentiras como: “Nossa, como você está linda!...”, “o tempo parece não passar para você”, “Chefe, atrasei-me porque o carro furou o pneu...”, “o seu filho pareceu-me um jovem muito inteligente e apresentável.” O interessante nesse caso é que ambos, o mentiroso e o ouvinte da mentira interagem de forma falsa, um por mentir e o outro por fazer acreditar na mentira.
         Como diz um dos autores por nós consultado, “Enfim, a mentira fisiológica, positiva ou branca pode até facilitar a integração social, é tão protocolar que as pessoas com inata dificuldade para essas mentirinhas corriqueiras são tidas como ingênuas, pouco habilidosas socialmente, sem jeito ou sem “jogo de cintura”.
         As origens da mentira remontam á própria infância onde a criança mente em busca de aprovação ou por medo da repressão. A mentira também é muitas vezes incentivada no lar, quando os pais mentem e a criança percebe (mesmo uma mentira social) e adota como correto esse hábito. Quanto mais o indivíduo mente, mais reforça o hábito, entretanto, devido á quantidade de mentiras sobrepostas vai se tornando difícil sustentá-las, podendo então o mentiroso cair em contradição e ser desmascarado. Essa inclusive é um das técnicas utilizadas em interrogatório policial, onde o preso é submetido a contar diversas vezes, a diferentes pessoas, sua versão dos fatos que depois é submetida a analise para buscar pontos de contradição que possam demonstrar estar o mesmo mentindo.
         A mentira em geral está ligada a baixa auto-estima, insegurança, fazendo que seu usuário busque através dela projetar-se pessoalmente, socialmente e em alguns casos, defender-se de situações que possam ser-lhe constrangedoras.
         Os casos de mentira patológica vem associados a deformações de personalidade, ou transtornos de  ordem psiquiátrica, como a síndrome de Münchhausen, (A Síndrome de Münchausen é uma doença psiquiátrica em que o paciente, de forma compulsiva, deliberada e contínua, causa, provoca ou simula sintomas de doenças, sem que haja uma vantagem óbvia para tal atitude que não seja a de obter cuidados médicos e de enfermagem. Na Síndrome de Münchausen, a pessoa afetada exagera ou cria sintomas nela mesma para ganhar atenção, tratamento e simpatia. Em casos extremos, pessoas com esta síndrome têm um alto conhecimento sobre medicina e conseguem produzir sintomas para operações desnecessárias.), neuroses histriônicas, Síndrome de Ganser, (é um Transtorno Dissociativo raro que se manifesta por uma produção voluntária de sintomatologia psiquiátrica muito severa, exuberante e inusitada. Durante o exame desses pacientes é comum respostas incoerentes, movimentos de intimidação e discurso despropositado com objetivo de convencer o observador de que ele, o paciente, está de fato louco. Pode ser considerado como parte do espectro dos transtornos histeria.)
Mentirosos contumazes, de dinâmica psíquica rica em conflitos e complexos, que representam personagens tal como fazem os atores, e refletem aquilo que gostariam de ser. Ao perderem o controle  sobre o impulso de mentir o personagem criado suplanta o ego e a personalidade toda é tomada por um falso e inautêntico ego.
Algumas patologias como a demência, casos de alucinação psicótica, e esquizofrenia, podem levar a uma distorção da realidade objetiva, com elaboração de situações falseadas da realidade, sem que entretanto ocorra no sujeito a intenção ou vontade de mentir.
Uma forma comum de mentir é encontrada facilmente no mundo da propaganda que busca induzir ao ouvinte, telespectador ou leitor, a uma noção de realidade falseada, como sendo a ideal, com o único objetivo de aumentar vendas e lucros.
Outra forma está ligada ás manipulações políticas e diplomáticas, onde fatos são propositadamente deturpados e noticiados como verdadeiros, com o único objetivo de desacreditar outra nação ou sistema político, objetivando controle político econômico da região. Um exemplo claro, a distorção dos relatórios sobre armas de destruição em massa, feitos pelo governo dos EUA, com a finalidade de invadir o Iraque, bem como a manipulação referente ao Irã, com o objetivo de manter o controle sobre tecnologia nuclear em mãos americanas.
Nos quadros depressivos graves, também podem ocorrer situações que levam á mentira patológica, num emaranhado de histórias que vão se complicando cada vez mais. Em geral tem o propósito de ocultar situação ou fato que deixaria outra pessoa preocupada, triste, aborrecida ou decepcionada. Nesse caso o deprimido mente para ocultar ou proteger o sentimento do outro, mas cai numa cascata de mentiras que carregam forte expoente de culpa.
A mentira de forma mais grave é a mentira do psicopata, que apresenta sérios transtornos de sociabilidade, transtorno anti-social da personalidade ou transtorno psicótico. O psicopata mente compulsivamente e está habituado a disfarçar suas emoções e a manipular situações.  Normalmente está tão treinado e habilitado a mentir que é difícil captar quando mente. Ele mente olhando nos olhos e com atitude completamente neutra e relaxada. O psicopata não mente circunstancialmente ou esporadicamente para conseguir safar-se de alguma situação. Ele sabe que está mentindo, não se importa, não tem vergonha ou arrependimento, muitas vezes mente sem nenhuma justificativa ou motivo.   Normalmente o psicopata diz o que convém e o que se espera para aquela circunstância. Ele pode mentir com a palavra ou com o corpo, quando simula e teatraliza situações vantajosas para ele, podendo fazer-se arrependido, ofendido, magoado, simulando tentativas de suicídio, etc. Essa mentira não tem culpa.
A personalidade do psicopata é narcisística, quer ser admirado, quer ser o mais rico, mais bonito, melhor vestido. Assim, ele tenta adaptar a realidade à sua imaginação,  à seu personagem do momento, de acordo com a circunstância e com sua personalidade narcisista. Esse indivíduo pode converter-se no personagem que sua imaginação cria como adequada para atuar no meio com sucesso, propondo a todos a sensação de que estão, de fato, em frente a um personagem verdadeiro.
A MENTIRA NA CRIANÇA.
Podemos, portanto afirmar que mentir durante a infância não se reveste de anormalidade, pois o ditado que diz “ele mente como respira” aplica-se muitas vezes á criança e revela dois componentes da mentira:  Sua frequência e sua função vital. O desvio da normalidade é quando essa mentira ultrapassa a idade de oito anos e ganha outras conotações que transitam para o lado patológico.
Mentir para a criança significa a possibilidade de adquirir gradualmente a certeza de que seu mundo imaginário interno é pessoal. Mais tarde, ainda que mentir permita á criança continuar se protegendo, dizer a verdade constituirá pouco a pouco, um conduta social em que a auto-estima e o reconhecimento dos outros estarão em primeiro plano.
Na definição de mentira há que se esclarecer que  a mentira aparece como ato de alterar cientemente a verdade, trata-se de afirmações contendo uma asserção contrária á verdade. Um segundo sentido pode ser atribuído á mentira: no registro poético, ela remete fábula e á ficção. Em um plano filosófico e moral, dois pares estão constantemente em oposição: de um lado, o par verdade/mentira, do outro, o par verdade/erro. (*)pg.156.
Na criança a distinção entre o verdadeiro e o falso, depois entre a verdade e a mentira, é progressiva. De inicio a criança não distingue muito bem entre realidade e seu mundo imaginário, mas é capaz rapidamente de percebe no mundo material que a rodeia, o que é verdadeiro e o que é falso. Essa distinção só atingirá a plenitude de sentido entre os seis ou sete anos.
A criança até os seis anos, conforme Piaget, não distingue entre a mentira e a atividade lúdica e fabulação. Somente após os oito anos a mentira começa a adquirir uma dimensão intencional. Entre essa duas fases situa-se um período em que se distingue o verdadeiro do falso, mas em que a mentira é confundida com erro.
Ainda segundo Freud, a criança desde cedo aprende a mentira com os adultos, já na sua inicial curiosidade, de onde vêm as crianças? A resposta adulta, com a fábula da cegonha, leva a criança desde esse primeiro ato, a uma descrença no adulto, com a busca de sua independência intelectual. A partir daí ela, geralmente,  se vê em séria oposição com os adultos, aos quais no fundo jamais perdoará por terem mentido nessa ocasião.
Ferrenczi desenvolveu a teoria de que a mentira liga-se na criança a um novo sentimento de “onipotência” do pensamento. Essa onipotência de pensamento pode ser colocada a serviço da preservação do narcisismo infantil, também onipotente, do ego ideal. A mentira torna-se então o meio de recuperar essa onipotência, ou pelo menos, de manter essa ilusão.
Segundo Tausk, a importância na mentira é que a criança descobre que os pais, especialmente a mãe, não tem a capacidade que imaginavam de conhecer todos os seus pensamentos. Descobre assim, a não transparência do pensamento. A mentira torna-se assim, o testemunho de que existe um limite entre o imaginário de cada indivíduo, que as psiques não se confundem. (grifo nosso).
Ainda segundo Melaine Klein, a mentira funciona para a criança como uma marco no declínio do poder parental. Já para Anna Freud a mentira é vista como um fenômeno regressivo e na predominância de processos primários sobre os processos secundários da mente (O processo primário de pensar é inato, enquanto que o processo secundário de pensar é construído a partir da diferenciação do aparelho mental no processo de ontogênese.). Assim, não considera a mentira antes dos sete anos, avaliando que o processo de negação, abaixo dessa idade, funciona como um mecanismo de defesa central da criança no plano de desenvolvimento psíquico, da mesma forma que o processo de identificação.
Podemos portanto chegar a conclusão que para a criança dizer a verdade não é um fato natural e representa uma aprendizagem progressiva. A aprendizagem da linguagem corresponde á fase anal do desenvolvimento libidinal da criança, onde ela diz “não” a tudo, instaurando uma barreira em seu próprio discurso. Há assim todo um aprendizado social da verdade, valorizado pelos pais que  fazem disso um testemunho de comportamento responsável revestido de um adultomorfismo.
Dizer a verdade, torna-separa a criança o meio ainda mais sutil de satisfazer os pais, satisfazer as exigências sociais, por fim, satisfazer sua própria auto-estima, isto é, seu próprio narcisismo.
Segundo Marcelli, em Infância e Psicopatologia, constata-se um paradoxo da mentira, estando ela primitivamente a serviço da onipotência narcísica, seu uso persistente só empobrece a auto-estima e com isso o fundamento narcísico da pessoa: pouco a pouco, a mentira se transforma em um biombo cuja única função é mascarar esse vazio narcísico. A mitomania é uma ilustração típica disso.
No plano clínico podemos distinguir na criança três tipos clássicos de mentira: A mentira utilitária, a mentira compensatória e a mitomania.
Na mentira utilitária, semelhante á mentira do adulto, a criança mente para obter vantagem, para evitar aborrecimento e pode aparecer como uma conduta mais imediata, como por exemplo, a falsificação de uma nota baixa na escola. Com enorme frequência os  adultos mentem para crianças, desvalorizando sua palavra. Não é portanto raro que o pequeno mentiroso tenha pais mentirosos, mesmo que mintam para seu bem. A mentira pode tornar-se assim, um modo privilegiado de comunicação, se não único, associando-se a outros comportamentos desviantes, fuga, roubo, etc.
Na mentira compensatória que é aquela onde não se busca um benefício direto, mas uma imagem que o sujeito acredita inacessível ou perdida. Nesse caso, inventa para si uma família mais rica, mais nobre e mais inteligente; atribui-se façanhas escolares ou capacidades que não domina, façanhas esportivas, amorosas, guerreiras, etc. É um devaneio muito comum e banal principalmente na primeira infância, ocupando um lugar razoável no imaginário da criança. Até os seis anos podemos considerar comum esse devaneio, no momento em que a criança está a elaborar sua identidade narcísica. Após essa idade, sua persistência indica transtornos psicopatológicos mais acentuados, como personalidade de falso self, imaturidade que traduza incerteza identificatória, transtorno mais profundo de autoconsciência. Dessa forma a fabulação constitui uma das condutas características de crianças pré-psicóticas (limites) ou desarmônicas.
Mitomania é termo proposto por Dupré em 1905, e constitui o grau máximo desse devaneio fabulatório, que ele denominava de tendência patológica mais ou menos voluntária e consciente á mentira e a criação de fábulas imaginárias. É descrita por esse autor como vaidosa, maligna, perversa e também fisiológica na criança. Quando se tenta compreender o significado psicopatológico  da mitomania, nota-se com frequência que ela é um suporte narcísico verdadeiro, porém, construído no vazio, ao qual no entanto, a criança se apega principalmente como fachada desse vazio.  Em geral a criança tipicamente mitômana enfrenta carências bastante graves, não apenas nos aportes afetivos habituais e necessários, mas também carências nas linhagens parentais, incertezas identificatórias (pai e/ou mãe desconhecido, ou pior ainda, conhecido por certos membros da família, mas mantido em segredo). Muito próximo da mitomania encontra-se o delírio de devaneio, termo definido por G. Heuyer, que caracteriza crianças vivendo permanentemente em um mundo de sonho com um tema megalomaníaco, na qual a distinção entre delírio e devaneio nem sempre é fácil. O equivalente no adulto é a parafrenia (Atualmente, a parafrenia é considerada pela maioria dos autores como um transtorno esquizofrênico tardio. Segundo o DSM-IV, para o diagnóstico de esquizofrenia terão de estar presentes dois ou mais sintomas característicos (critério A) durante um período de um mês, a saber: ideias delirantes, alucinações, linguagem desorganizada, comportamento catatónico ou gravemente desorganizado, sintomas negativos. Observa-se uma disfunção social/laboral durante uma parte significativa do tempo desde o início da alteração (critério B). A alteração persiste durante pelo menos seis meses, período que deverá incluir pelo menos um mês de sintomas que cumpram o critério A (critério C). Para o diagnóstico de transtorno delirante não poderá observar-se o critério A para a esquizofrenia - podem existir alucinações se relacionadas com o tema delirante (critério B). As ideias delirantes são não estranhas, são compreensíveis psicologicamente e têm pelo menos um mês de duração (critério A). A actividade psicossocial não está deteriorada de forma significativa e o comportamento não é raro nem estranho, excepto pelo impacto directo das ideias delirantes ou suas ramificações (critério C.)
A mentira apresenta, portanto, seu caráter positivo no desenvolvimento identificatório infantil, na regulação do processo narcisístico e da valorização da auto-estima infantil, importante até uma determinada idade. Sua persistência em períodos posteriores podem estar associados a distúrbios psicopatológicos que necessitam invetigação, diagnóstico e tratamento. Sendo assim, levando em conta as funções interessantes mentira, poderíamos legitimamente perguntar, como Marcelli,D., invertendo a interrogação inicial, para saber não “porque as crianças mentem”, mas, “porque ás vezes dizem a verdade”.

Fontes:Wikipédia :
Ballone GJ - Sobre a Mentira - in. PsiqWeb, Internet, disponível em www.psiqweb.med.br , revisto em 2010.
Orientação Infantil – Isabel  Adrados – Editora Vozes /4ª Edição – 1980.
Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguêsa – Aurélio Buarque de Holanda Ferreira – Editora Nova Fronteira / 15ª edição.
(*) Infância e Psicopatologia – Daniel Marcelli e David Cohen –Editora Artmed – 7ª Edição/2009 / ISBN 978-85-363-1575-1
 http://pt.shvoong.com/medicine-and-health/2050010-parafrenia/#ixzz1V9EeUALp


        
        

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